Mestre em administração pela UFRGS
Certificado de empreendedorismo pela Universidade Harvard Business School
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Os gênios americanos criam empresas fantásticas que mudam os rumos da humanidade. Os gênios brasileiros passam em concursos públicos.” Com a frase de efeito e dois artigos, o paraibano Leandro Vieira, mestre em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e certificado em Empreendedorismo pela Harvard Business School, gerou polêmica na internet. Ele critica milhões de brasileiros que sonham com um emprego público. Afeito a frases fortes, reforça a mensagem na entrevista ao repórter Giovanni Sandes, do JC. Em tom de brincadeira, diz até que um Bill Gates brasileiro seria juiz federal ou desembargador. Ainda assim, reconhece que o setor público oferece melhores incentivos. Mas alerta para os danos à coletividade de se colocar gente sem talento ou vocação no Estado e também para o desperdício de tempo de milhões de concurseiros que não conseguirão uma das milhares de vagas dos concursos. Para ele, as empresas carecem de inovação pelo desperdício de talentos no setor público. A solução virá quando mercado e universidades se entenderem.
JC – Muita gente opta pelo serviço público de olho em remunerações altas e uma carga horária menor do que a média da iniciativa privada. Essas pessoas estão erradas por buscar mais conforto?
LEANDRO VIEIRA – Do ponto de vista individual, estão mais do que certas. Se somos movidos a incentivos, não poderiam existir incentivos melhores. Do ponto de vista coletivo, a perda é enorme. Estamos falando de gente capacitada, bem educada, inteligente, com a capacidade de se debruçar sobre os mais variados problemas que enfrentamos no Brasil. Mas que muitas vezes estão alocadas em cargos que exigem muito pouco de seu potencial.
JC – O emprego público, e não a profissão, a ocupação, virou um fim, uma meta por si só?
LEANDRO VIEIRA – Parece que sim. Há pouco respondi o comentário de uma leitora de meu artigo “Os concurseiros e o desperdício de talentos”. Ela, funcionária pública, gabava-se que o seu emprego lhe proporcionava muitos benefícios. Dentre eles, (um bônus de) 80% do valor de seu curso de MBA que, segundo ela, estava cursando para ter um incremento em seus vencimentos. O seu emprego, dizia ela, era tão bom que lhe proporcionava tempo para poder estudar para outros concursos. Quer dizer: a pós-graduação não é para que ela possa adquirir novos conhecimentos, novas habilidades que lhe permitam desenvolver melhor o seu trabalho, e sim para receber um aumento. Não importa qual a função, nem a relevância do papel que desempenha, e sim as facilidades que o Estado lhe proporciona.
JC – Qual o dano à coletividade quando alguém sem vocação ou interesse em uma carreira assume um cargo público específico?
LEANDRO VIEIRA – Existe um dano duplo. O primeiro é que exercer uma função sem o menor talento ou vocação implica em fazer as coisas de qualquer jeito, sem motivação – o que pode ser, inclusive, um primeiro passo para uma depressão. Em seu íntimo, o indivíduo sabe que não nasceu para aquele trabalho e passa a não ver sentido nas tarefas que desempenha. Dependendo do cargo que ocupe, isso pode ocasionar prejuízos enormes às vidas de outras pessoas, principalmente quando o funcionário público passa a colocar o cumprimento das rotinas burocráticas como o fim de seu trabalho e não como o meio. O segundo dano é justamente a perda da vocação da pessoa, o desperdício do talento. Você já parou para pensar em quantas pessoas poderiam fazer a diferença fazendo aquilo que nasceram para fazer e abriram mão de seus sonhos em busca de estabilidade, segurança e demais benefícios dos cargos públicos?
JC – Uma questão que parece preocupante é haver gente demais buscando emprego público, diante de uma oferta de vagas desproporcional ao número de concurseiros. O que deve acontecer com esse pessoal “excedente”, que não será aprovado em um desses concursos?
LEANDRO VIEIRA – Em 2007, a revista Veja estampou em uma capa que 5 milhões de pessoas prestariam concurso público naquele ano. Este mês, a mesma revista dedicou mais uma capa ao assunto. Em 2011, o número de candidatos pulou para 12 milhões. Mais do que dobramos o número de candidatos em apenas quatro anos. A oferta de vagas é muito pequena com relação ao número cada vez maior de candidatos. E outra: o Estado tem um limite. Se já não passamos dele, estamos muito próximos. Me preocupo muito com esse pessoal excedente. Muitos candidatos dedicam sua vida exclusivamente a essa rotina de estudo, provas, estudo, provas. Ao mesmo tempo em que se preparam continuamente para suas provas de marcar x, deixam de desenvolver as habilidades e competências necessárias no mercado. Quando se derem conta de que estão perdendo tempo, poderá ser tarde demais.
JC – O senhor disse em artigo que: “Os gênios americanos criam empresas fantásticas que mudam os rumos da humanidade. Os gênios brasileiros passam em concursos públicos”. O gênio brasileiro, o do concurso público, é conservador, prefere não arriscar a inovação por causa do risco?
LEANDRO VIEIRA – Essa frase causou muita polêmica na internet. Mas, de fato, não é qualquer um que é agraciado com a aprovação em um concurso. Dentre esses milhões de candidatos, passam apenas os mais preparados, gente realmente inteligente que poderia fazer a diferença do outro lado do balcão. Costumo dizer que o oásis do serviço público brasileiro é tão atraente que, se Bill Gates tivesse nascido no Brasil, seria juiz federal ou desembargador (risos). O que é contraditório nessa busca obsessiva por estabilidade é que muita gente não se dá conta de que está pondo em risco a sua vida profissional. Mas, de fato, o brasileiro é, no geral, um povo conservador. Nossa história de altos e baixos, os grandes períodos de instabilidade econômica e outros aspectos próprios de nossa cultura acabam criando uma necessidade maior de segurança, de estabilidade.
JC – Nesse aspecto, existe uma inversão de valores no Brasil?
LEANDRO VIEIRA – Sim, totalmente. O empreendedor por aqui é mal visto. Ele é encarado como o sujeito que não teve preparo ou força de vontade para passar em um concurso público. De nove em dez novelas da Globo, é retratado como o sujeito sem escrúpulos, explorador e que passa por cima de todos para atingir seus objetivos. Entretanto, é a iniciativa privada que leva o Brasil nas costas. As regras do jogo para essa turma são as mais complicadas que podem existir. Estamos na 127ª posição no ranking mundial com relação à facilidade de se fazer negócios (dado de um relatório produzido todos os anos pelo Banco Mundial, chamado Doing Business). Diante de tantas dificuldades, de fato, é muito mais atraente trabalhar para o Estado do que assumir os riscos de se colocar um negócio ou trabalhar para uma empresa, que navega em águas sempre turbulentas.
JC – O setor público no Brasil só cresce. Isso ocorre por causa de ineficiência do Estado?
LEANDRO VIEIRA – O Estado é uma entidade abstrata. A ineficiência é de nossos administradores públicos, se é que podemos chamá-los assim. Mas não é só isso. Sei que temos várias pessoas capacitadas, cientes e com a real visão do problema. A questão é: como mudar essa situação? O sistema burocrático é um organismo vivo, com autodefesas muito fortes. Qualquer agente de mudança é expurgado rapidamente do sistema, pois a sua atuação é vista como ameaça aos privilégios existentes.
JC – Temos excesso de órgãos públicos? Muita gente reclama que alguns “existem para justificar sua existência”.
LEANDRO VIEIRA – Sim. Sei de casos de repartições que não têm nem espaço físico para comportar o seu próprio número de funcionários. Temos órgãos públicos em excesso e, o que é pior, gente em excesso nesses órgãos que já são demais. E não podemos esquecer os cargos de comissão, outro absurdo que deveria ser imediatamente revisto.
JC – Muitos governos, como o de Pernambuco, criaram o cargo de gestor público para concursados. A função seria para um planejador do Estado. Essa não seria uma forma de aproveitar “nossos gênios” na esfera pública?
LEANDRO VIEIRA – É uma iniciativa louvável, mas não sei, sinceramente, se conseguirão atrair as pessoas com o perfil adequado. O processo de seleção de qualquer concurso público é justo na medida do possível, mas totalmente falho no objetivo de selecionar o melhor profissional para determinada função. Não se consegue avaliar a real capacidade de alguém com provinhas de marcar x.
JC – Mas não é muito fácil concentrar o debate nos concurseiros e no setor público? As empresas também não têm culpa?
LEANDRO VIEIRA – Lógico que têm. No geral, nossas empresas são muito mal administradas. São tocadas por pessoas sem a menor noção de como se administra um negócio, que aprendem a maior parte das lições no tapa. Porém, quem dita as regras do jogo? Quem está por trás da manutenção de uma das maiores cargas tributárias do mundo? Quem é que cria leis absurdas e entraves burocráticos terríveis que dificultam a já difícil vida de nossas empresas? Tenho absoluta convicção de que se as regras do jogo fossem mais fáceis para o setor privado, não haveria um êxodo tão grande em busca da terra prometida no setor público. Inclusive, as melhores empresas para se trabalhar no Brasil – apontadas em rankings como os elaborados pelas revistas Exame e Época Negócios – já criaram ambientes e situações de trabalho muito melhores que os de qualquer repartição pública, superando muitas vezes os benefícios normalmente concedidos pelo Estado. A única diferença é que não existe esse monstro chamado estabilidade. Você tem que dar resultado e essa premissa básica é que mantém todo mundo em movimento, buscando sempre melhorar.
JC – A iniciativa privada brasileira investe muito menos em pesquisa e desenvolvimento do que aquelas em outros países. Com a migração de cérebros para o setor público, estamos vivendo um “apagão” de inteligência no Brasil?
LEANDRO VIEIRA – Sem dúvidas. Quantos Bill Gates já não devemos ter enterrado em alguns desses gabinetes?
JC – Nesses outros países, uma grande saída para inovar é aproximar universidades e empresas. Por que isso não acontece com mais intensidade no Brasil?
LEANDRO VIEIRA – Essa é outra peculiaridade da nossa cultura que deve ser revista e mudada o quanto antes. A academia brasileira costuma torcer o nariz para o mercado, vai ver pelo mesmo motivo que a novela retrata o empresário como bandido, o lucro como pecado. É uma visão distorcida da realidade. O mercado, por sua vez, passa a enxergar a academia como feudo, um reduto de intelectuais isolados com suas teorias, longe da realidade. Só quando academia e mercado se entenderem poderemos dar um salto em direção ao futuro. Gostaria apenas de registrar que existem muitas instituições no Brasil que já acordaram para essa necessidade e têm gerado resultados de impacto mundial em termos de inovação e avanços tecnológicos, como o Cesar (sigla do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), para citar um exemplo próximo.