Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Rm 12:1-2

O Cristianismo em sua versão original é um conjunto de crenças bem sólidas. Essas crenças foram questionadas por toda história e por diferentes expressões filosóficas, tradições religiosas, usos e costumes antigos e modernos, sistemas de governo e governantes e, nunca sucumbiu nem tampouco negociou seus valores e assim, se manteve firme em suas origens por séculos. Talvez, uma das razões para essa “firmeza” seja o fato de o principal sistematizador de suas doutrinas ter sido Saulo de Tarso, depois Paulo apóstolo de Jesus Cristo por chamado especial. Judeu, de origem farisaica, educado na escola de Gamaliel, que foi um dos mais renomados nomes das escolas teológicas judaicas do 1º século.

A Escola farisaica era conhecidamente rígida, exclusivista e nacionalista. Flexibilização não era uma palavra que fazia parte do vocabulário fariseu. Eram reconhecidamente fundamentalistas e foram classificados por Jesus como “Hipócritas” e “Sepulcros caiados” no evangelho de Mateus

“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Mt 23:27

Alguns se arriscam a dizer que, de alguma forma, isso pode ter tido uma relação direta com a maneira que a fé cristã se estabeleceu e não somente sobreviveu, mas avançou consideravelmente nos primeiros séculos da era cristã em meio a um turbilhão filosófico, uma verdadeira salada filosófica greco-romana e um arcabouço doutrinário judaizante, a outra possibilidade é assumir que a mensagem prosperou porque era plano de Deus e o Espirito Santo atuou profundamente, pela “excentricidade” da mensagem para a mente helênica, somente por esse poder o evangelho poderia se expandir. Particularmente fico com a segunda opção, sem, no entanto, desconsiderar a primeira.

Mesmo falando a hedonistas, seguidores de Platão, epicureus e outros, Paulo nunca negociou os princípios do evangelho, nunca procurou adequar essa mensagem a qualquer circunstância que a deixasse mutilada. Dizer. Como já escutei, dizer que Paulo não era ortodoxo é desconhecer Paulo e a sua teologia. Foi essa ortodoxia que o levou por diversas vezes a quase sucumbir e morrer, mas sempre mantendo sua palavra firme e a apresentação de um evangelho ortodoxo, sólido e imutável.

Às mulheres de Corinto disse” não cortem os cabelos, para serem diferenciadas das sacerdotisas prostitutas que serviam nos templos pagão e rapavam suas cabeças, aconselhou também que elas não falassem em público para que, da mesma, forma não fossem confundidas com as líderes religiosas pagãs. Sim Paulo era ortodoxo, deu solidez a mensagem do evangelho, usou de ferramentas de seu tempo, sem negociar os pilares da fé.

Por definição, pelas suas origens e pela sua história a fé cristã é sólida e ortodoxa

Ortodoxia_ interpretação, doutrina ou sistema teológico implantado como único e verdadeiro pela Igreja

Lamentavelmente, mesmo existindo hoje muitos homens e mulheres de Deus que seguem os passos desse gigante de Tarso, que dão solidez a mensagem do evangelho e não negociam seus pilares, surge em nosso  meio evangélico um tipo de cristianismo que, mesmo não apresentando algo necessariamente novo, começa a importar posturas e pensamentos que promovem um cristianismo “adoutrinado”, sem absolutos, amórfico e assim, perdendo sua capacidade histórica de ser referencia par quem busca uma relação verdadeira com Deus .

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) um dos eminentes teóricos sociais do mundo é o autor do livro Vida Liquida, Zygmunt acreditava que, ao fazer perguntas sobre nossa própria sociedade, ficaríamos mais livres, e alguma forma Isso desenvolve o pensamento que leva a ideia de uma sociedade autônoma que questiona tudo o que é narrado e, sai em busca de novos significados  e assim passa a questionar os valores que estão sendo colocados para todos nós. Alguns que seguem esse pensamento afirmam que não podemos ser escravos de narrativas que estão sendo fabricadas ao nosso redor, perdendo contato com as nossas próprias experiências subjetivas. Advogam que na vida pessoal se vive essa mudança de sólido para líquido diariamente e isso se reflete na economia que antes valorizava um emprego permanente e hoje se entusiasma com uma multiforme expressão profissional que faz de tudo e encontrar algo com o que se possa conformar  parece de pouco ou nenhum interesse. Para Bauman, a vida líquida é uma vida de consumo. Isso se repete em nossas crenças, que estão sujeitos a mudanças. A realidade é dividida em módulos, que muitas vezes parecem pertencer a universos paralelos. Não há um quadro sólido para dar significado às nossas vidas. Para ele, uma vida muito mais líquida parece inevitável. Mas é isso que realmente queremos? Isso é bom para nós?

E a resposta precisa ser clara, definida e objetiva: Não, não é! Especialmente para aqueles (as) que se incluem no grupo dos cristãos. Para um cristão a vida liquida é tudo que se opõe aquilo que Jesus Cristo trouxe em seu evangelho. Em absoluto, não é porque saímos da ortodoxia da lei que entramos em uma graça heterodoxa. A fé cristã é sólida na sua mais profunda origem e assim precisa se manter para que não sucumba ao século. Ser contracultura é ser sólido, é o que está firme e que não se abala.

Paulo quando escreve aos romanos deixa claro que a solidez da fé cristã não se adequa ao estado líquido do pensamento moderno. Ora se ele diz “não tomem a forma do mundo…” devemos prestar atenção a como isso poderia se dar hoje. Venha comigo e raciocine, para se tomar a forma seria necessário estar em um estado que se adeque a essa “fôrma”,  e assim precisaria ser liquido, uma fé sólida não se encaixa na fôrma desse século, assim, não procura se adequar a ele, ao contrário, o “mundo” precisa necessariamente tomar a forma da fé cristã, seguir sua direção e afirmar seus valores. Quando dizemos que “fomos do mundo”, é porque deixamos que Jesus nos preenchesse e nos moldasse aos seus propósitos. Assim é!

Existe hoje um cristianismo líquido que procura, para agradar a todos e a todas as tendências, se adequar a elas. Nele, não há mais absolutos, tudo se relativiza e assim, der maneira ‘liquida”, se encaixa em toda e qualquer proposta mundana. Esse cristianismo líquido usa como base, equivocadamente, e fora de todo contexto, a máxima bíblica que devemos fazer de tudo para estar em paz com todos (Rm 12:28). Eu diria que ele se agarra muito mais ao ditado popular que quer agradar a gregos e troianos, e quem conhece um pouco de bíblia e de história sabe dessa impossibilidade. Quem assim age, desagradará a Deus.

O Cristianismo líquido não é escriturístico e assim se perde em valor e conteúdo. A sua liquidez gerou uma gama de pregadores que agora dizem o que querem em uma hermenêutica tão frágil quanto suas mentes vazias. Uma das maiores falácias escutei de um jovem pastor brasileiro quando disse: “se precisou ser Jesus para morrer em seu lugar, é porque você é muito importante, você é igual a Jesus”. Numa absurda inversão de papeis ele nos tirou do estado de miserabilidade, imperfeitos, pecadores, maus. Em uma frase ele dizia que não foi porque meu pecado era tão grande que precisava alguém como Jesus e sim que eu era tão importante quanto Jesus…

O cristianismo líquido é tradicional, mas é pentecostal, é reformado e carismático… não importa, ele se adequa a sua melhor forma e a sua maior conveniência. Ele jamais entra em uma “bola dividida”, afinal de contas, não quer ferir ninguém. Não, Jesus não foi assim, ele dividiu quando foi necessário, questionou quando necessário, exortou, advertiu e repreendeu, quando necessário.

Faça uma análise de seu cristianismo e veja quão liquido ele é…