Queremos ser os valentes que vêem no futuro uma oportunidade, e cremos que estamos, sim, vivendo um novo tempo com o evangelho de sempre.

“O futuro tem muitos nomes
Para os fracos, é o inalcançável
Para s temerosos, o desconhecido
Para os Valentes, é a oportunidade

Victor Hugo

Todo ser humano existe em uma espécie realidade tridimensional, uma que vai além das fronteiras do espaço. Todos nós, sem exceção, vivenciamos um passado, existimos em um presente e vivemos na expectativa de um futuro. Da mesma forma, a igreja também existe nessa realidade tripartida e isso muito claramente se coloca como algo imperativo, pois o seu mestre e Senhor, segundo as Sagradas Escrituras, veio, viveu e voltará. (João 1:11; 1 Coríntios 15; Marcos 13:26).

Nestes dias, talvez mais do que nunca, temos sido levados a refletir sobre essa realidade, especialmente neste momento em que estabelecemos uma Nova Província Anglicana no Brasil e, junto a ela, com a formação da Igreja Anglicana no Brasil. Antes de tudo, no entanto, talvez se faça necessário uma breve explicação…

A igreja Anglicana é um ramo do cristianismo histórico inicialmente estabelecido nas ilhas britânicas e depois espalhado pelo mundo. Seu crescimento se deu, em especial, por conta da expansão do Império Britânico e de suas expressões de comércio internacional, que viam a necessidade do estabelecimento das chamadas “capelanias” nas colônias estrangeiras, grupos que ofereciam assistência espiritual aos cidadãos britânicos que viviam “além-mar”, além da comunidade das nações britânicas, então conhecidas como British Commonwealth.

Mais tarde, com as ações missionárias, essa expansão transformou-se no que temos hoje e que chamamos de “Comunhão Anglicana”: um conjunto de igrejas nacionais ou que compõem alguns países juntos, espalhadas por todo o globo. A tais igrejas dá-se o nome de “Província Anglicana”, que, normalmente, estão ligadas por laços de doutrina e comunhão à Sé de Cantuária, na Inglaterra, onde está a cátedra do Arcebispo de Cantuária, que deveria ser o símbolo de unidade de toda essa Comunhão. Mas, lamentavelmente, não o é mais.

O iluminismo teológico, gerou um tipo de revisionismo doutrinário que culminou no que hoje se conhece como “Teologia Liberal”. Ao longo das últimas décadas, essa teologia tem se infiltrado nos principais ramos históricos da fé cristã e causado, em alguns casos, certas divisões. O Anglicanismo não escapou disso e teve o seu “tecido” eclesiológico e doutrinário esgarçado, o que acabou por causar divisões e manchar a imagem de uma igreja que por séculos viveu indivisa pela sua tolerância e diversidade. Mas, como dizia o Bispo George Carey, antigo Arcebispo de Cantuária: “A tolerância tem limites” .

O anglicanismo no Brasil nasce do vigor missionário de jovens norte-americanos que desceram a linha do equador para trazer o evangelho a terras brasileiras. Com um inicio fiel às Escrituras, um crescimento vertiginoso e mediante o estabelecimento de igrejas por toda a região sul do Brasil, tinha início a então “Igreja Episcopal no Sul dos Estados Unidos do Brasil”. Tivemos um Glorioso Passado, em que escolas, instituições filantrópicas e muitas igrejas foram plantadas. Mas, esse iluminismo revisionista também chegaria ao Brasil e a pujante igreja também acabaria por ver o seu tecido fragmentado. Em consequência disso, por alguns anos, foi uma das únicas denominações evangélicas do Brasil a experienciar o declínio de sua membresia local.

No Nordeste, no entanto, graças a Deus, as coisas começaram a tomar outros rumos e aquele tecido esgarçado foi sendo progressivamente reparado. O estabelecimento de uma Nova Diocese em Recife, com a vinda do Bispo Edmund Knox Sherril e do então Reverendo Paulo Garcia, trouxe novos ares. Época em que a expansão e o crescimento foram experimentados. O liberalismo que tomava conta da Igreja no Brasil, no entanto, continuava a também se expandir e tornar cada vez mais difícil permanecer nesta igreja e, ao mesmo tempo, manter-se fiel às escrituras e ao cristianismo histórico.

Muitas divisões ocorreram e um grupo, que mesmo tendo sido desligado da igreja nacional em 2004, decidiu permanecer fiel ao Senhor, às Escrituras e à Tradição Anglicana. A esse grupo, chamou-se “Igreja Anglicana – Diocese de Recife”. A Realidade do Presente se mostrava desafiadora.

Sob a liderança do Bispo Robinson Cavalcanti, estruturou-se uma nova igreja- diocese e assim vivemos como órfãos de uma Província, mas cientes de sermos filhos legítimos do Pai Celestial. E foi por conta dessa fé que nos mantivemos Olhando com Esperança para o Futuro.

E ele chegou quando, em 2008, estruturou-se a Fraternidade de Confessantes Anglicanos (FCA), formada por um conselho de Arcebispos das principais Províncias Anglicanas do Globo, perfazendo a maioria de toda a membresia da Igreja Anglicana no Mundo. Esse novo movimento nos acolheu como Diocese Extra-territorial, reconhecendo-nos como uma legítima Igreja Anglicana.

Com nosso crescimento, nos multiplicamos em três dioceses e, pela bravura de um povo fiel a Deus, à História e à Missão, começamos os fundamentos da Igreja Anglicana no Brasil, que, imediatamente, torna-se a 10º Província do FCA-GAFCON. Internacionalmente, somos reconhecidos pelos anglicanos históricos que não se curvaram ao espírito do século, que pagaram e pagam o preço da fidelidade a Deus e constroem uma igreja relevante para seu tempo.

Não estamos diretamente ligados à Sé de Cantuária, o que se apresenta como uma dificuldade política, uma vez que já há no Brasil uma igreja com esta ligação e a falta dela torna os trâmites para que isso aconteça mais difíceis. Mas isso não é um problema que nos preocupe no momento e tampouco um empecilho para a missão. Nossa declaração de fé são as Sagradas Escrituras como Palavra de Deus inspirada, e os credos históricos da igreja indivisa; nossa missão é levar o amor de Deus através das boas novas do evangelho de Cristo a todo ser humano e ao ser humano na sua integralidade de corpo, alma e espírito.

Queremos ser os valentes que vêem no futuro uma oportunidade, e cremos que estamos, sim, vivendo um novo tempo com o evangelho de sempre.

Miguel Uchôa
Bispo Primaz
Igreja Anglicana no Brasil